‘Repudiam minha existência’, diz vereadora do PT xingada por bolsonaristas
Única petista e única mulher entre 15 parlamentares, a vereadora Graciele Marques dos Santos, 37, vem enfrentando ameaças e desafios dentro da Câmara Municipal de Sinop, cidade a 503 quilômetros de Cuiabá (MT). Exercendo seu primeiro mandato, ela já teve seu o carro riscado duas vezes e precisou ir ao menos cinco vezes na delegacia para registrar ocorrências, duas por ameaças de morte, nos últimos 22 meses.
Na última segunda (28) foi hostilizada durante uma sessão na casa legislativa por grupos de manifestantes golpistas. A motivação dos bolsonaristas teria sido uma fake news que circulou em grupos de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) de que a vereadora iria protocolar um projeto de lei para retirar na cidade os acampamentos pró-golpe de Estado.
Sinop é conhecida por ser um dos principais pontos do agronegócio no país. E é também um reduto bolsonarista: na cidade, Bolsonaro ganhou com 76,59% dos votos na corrida presidencial contra o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Desde a vitória do petista sobre o presidente, em 30 de outubro, grupos golpistas realizam manifestações e acampam na cidade. As rodovias da região foram fechadas diversas vezes.
Em entrevista concedida ao UOL Notícias, Graciele desabafou: “Eles repudiam a minha existência”, disse a vereadora sobre a forma como apoiadores de Bolsonaro lidam com seu mandato. “Eu defendo a pauta LGBTI+, defendo o combate ao racismo, defendo a não privatização da educação e da saúde, defendo a preservação da Amazônia. São todas as pautas que incomodam demais”, afirmou.
Os atos golpistas na cidade têm tido apoio da elite política e empresarial da região, incluindo o presidente da Câmara, Elbio Volkweis (Patriotas), que já foi filmado em bloqueios nas estradas ao lado de um dos suspeitos de colocar fogo em caminhões — e que foi preso pela Polícia Federal — e da ex-prefeita Rosana Martinelli (PL), suplente do senador Wellington Fagundes (PL).
“É assustador você imaginar que essas pessoas, que se dizem defensoras da família, de Deus e do bem, olham para uma mulher, eleita democraticamente, mãe também, e têm a liberdade e naturalidade de praticar todo tipo de ofensa e ameaça. É muito difícil olhar para isso e saber que estamos muito distantes de mudar essa realidade” Graciele Marques dos Santos, vereadora do PT em Sinop.
Eleita com 1.122 votos em 2020, Graciele é a única petista da Câmara — que tem em sua composição: 3 vereadores do Republicanos, 3 do PL, 2 do PSDB, 1 do União, 1 do Patriotas, 1 do PSB, 1 do MDB, 1 do Pros, e 1 do Podemos. O prefeito de Sinop é Roberto Dorner, do Republicanos.
Nascida no interior do Paraná, Graciele mudou com a família para Sinop aos três anos de idade. Cresceu e fez suas raízes nas periferias da cidade. Sua candidatura é fruto das lutas raciais e sociais.
“Foi uma decisão coletiva. Imaginávamos que seria para construir um capital político para quem sabe, no futuro, eleger. Não imaginávamos que várias pessoas queriam uma candidatura com esse perfil para votar, tivemos a surpresa de ter a oitava colocação no número de votos”, disse a vereadora.
Por isso, o foco do seu mandato é o cuidado com as periferias. “Como eu morei de aluguel por muito tempo, minha família sempre tinha que se mudar e eu conheci todas a mazelas da pobreza por aqui. Com a inquietação por conta dessa realidade, eu sempre participei de movimentos sociais de periferia e movimento negro”, disse.
Antes de ser eleita vereadora, ela trabalhou como empregada doméstica, babá, serviços gerais em serralheria, zeladora, esteticista, auxiliar de professora e integrou a diretoria de juventude do município. Atualmente exerce também a função de professora concursada dar rede estadual de educação básica e é professora contratada da Unemat (Universidade do Estado de Mato Grosso).
Cotidiano com violência de gênero
Desde sua campanha para vereadora em 2020, Graciele enfrenta violência de gênero, “seja pelas pessoas que acompanham a minha atuação na Câmara, seja por parte dos próprios vereadores”.
Desde uma reunião pequena até uma sessão pública, sofro tentativas de silenciamento e ofensas verbais. Se uso identificação sobre meu partido, plaquinha da Marielle, tenho que tirar para não correr o risco até de ser cassada, já que quem decide são meus pares, que são de direita”, afirmou.
Depois de duas ameaças de morte e o ataque na Câmara, Graciele afirma que tem medo. “”Não temos segurança e o mandato não disponibiliza uma estrutura para isso. Ainda que seja difícil, financeiramente falando, talvez eu tenho que encontrar alguma medida pessoal. Estamos tentando pensar alternativas para me proteger”, disse.
Nas últimas horas, conta, passou a ter mais apoio do diretório nacional do PT, incluindo o próprio Lula. “Ele me pediu para reunir o material e mandar para a assessoria dele ver como é possível contribuir. Há uma preocupação e é importante. Mato Grosso está pedindo socorro, porque o cenário é desesperador”, afirmou.
Lula usou as redes sociais para se solidarizar com a vereadora. O petista disse que “a violência política de gênero causou danos irreparáveis na política brasileira” e que as “mulheres precisam ser respeitadas na política e nosso país precisa recuperar a paz e a democracia”.
Desistir já passou pela cabeça de Graciele, mas, para ela, permanecer no mandato é sobre a coletividade. “Quando eu olho para o campo pessoal não vale a pena seguir, mas quando eu olho para a coletividade, e para todos que vieram antes de mim, eu não me sinto no direito de desistir, de abandonar”.
Sinop não esperava nunca eleger alguém de esquerda, então não penso na desistência, mas penso em criar mecanismos de me sentir mais segura”.